MP e PF investigam esquema de desvio de recursos em plantões médicos no setor de ortopedia do Amapá

Segundo a investigação, a fraude de plantões médicos desvia recursos do Estado e compromete atendimentos especializado em hospital.

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No dia 4 de fevereiro de 2024, um domingo que marcou o aniversário de Macapá, enquanto muitos aproveitam as atrações na capital, um episódio escandaloso ocorria no sistema de saúde pública. Um médico que estava escalado para cumprir um plantão presencial de 24 horas no Hospital de Clínicas Dr. Alberto Lima (HCAL), em vez de estar na casa de saúde, ele aproveitava o dia em um passeio de jet-ski com a família. Uma foto postada em suas redes sociais com a legenda “Depois de uma semana produtiva de trabalho, um domingo merecido de lazer”, faz parte do inquérito da Polícia Federal. Ele curtia enquanto pacientes aguardavam por cirurgias na fila.

Em outro caso, ocorrido em 16 de maio de 2024, um outro médico deixou o HCAL apenas 30 minutos após o início de seu plantão de 12 horas, programado para começar às 19h. Ele tinha uma cirurgia agendada para o mesmo horário, mas optou por sair e assistir a um jogo de futebol em um bar, onde o Fluminense enfrentava o Cerro Porteño pela Copa Libertadores. Ele não apenas se ausentou de suas responsabilidades, como também comemorou a vitória do time brasileiro enquanto os pacientes ficavam sem o atendimento necessário.

Esses dois exemplos fazem parte de uma denúncia recebida com exclusividade pelo Portal Ney Pantaleão, revelando um suposto esquema criminoso de desvio de recursos públicos no Estado do Amapá. A denúncia envolve médicos ortopedistas vinculados ao HCAL e aponta para fraudes na escala de plantões, conforme investigação conduzida pelo Ministério Público do Estado (MP/AP) e pela Polícia Federal (PF). A operação, intitulada Jaleco Fantasma, expôs uma prática de desvio de dinheiro público que, segundo as autoridades, ocorre desde abril de 2022.

O ESQUEMA
Segundo as investigações, em 2023 o Governo do Estado do Amapá acionou o Ministério Público para apurar indícios de irregularidades nas escalas de plantão. Conforme detalhado, o esquema funcionava da seguinte maneira: um grupo de médicos, com a anuência do diretor do hospital, elaborava mensalmente duas escalas de plantão, com turnos de 12 ou, em alguns casos, 24 horas. No entanto, essas escalas não eram cumpridas, de acordo com a denúncia. O objetivo da duplicidade de escalas era aumentar os rendimentos dos médicos, permitindo o desvio de recursos públicos, conforme apontado no relatório da Polícia Federal.

A primeira escala, denominada HE Suporte Cirúrgico no HCAL, era pública e publicada no site da Secretaria de Estado da Saúde (SESA). Esta se referia aos plantões presenciais de ortopedistas para dar suporte ao atendimento de casos encaminhados pelo Hospital de Emergência Oswaldo Cruz (HE).

Já a segunda escala, ligada ao projeto Zera Fila, muitas vezes não era publicada e tinha como objetivo formal reduzir a fila de espera por cirurgias ortopédicas. Porém, a investigação revelou que os médicos designados para esses plantões, em sua maioria, não os cumpriam.

FRAUDE E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
O esquema permitia que médicos escalados para o Zera Fila comparecessem apenas para realizar cirurgias agendadas e deixassem o hospital logo em seguida, sem cumprir as 12 horas previstas de plantão. Nos casos em que não havia cirurgias agendadas, os médicos simplesmente não compareciam ao HCAL, mas ainda assim recebiam pelo plantão, segundo a apuração.

Dinheiro apreendido na residência de um dos investigados: dólares, euros e reais.

Além disso, a Polícia Federal apurou que a criação de uma escala paralela era desnecessária, já que os médicos deveriam ser remunerados pelo simples fato de estarem vinculados ao hospital e realizarem suas atividades normais. Em vez disso, a escala Zera Fila foi usada como um mecanismo para aumentar os ganhos dos médicos envolvidos, gerando um rombo significativo aos cofres públicos.

IMPACTO NOS COFRES PÚBLICOS
Cada plantão não cumprido, referente à escala Zera Fila, representava um prejuízo direto aos cofres do Estado. Os médicos investigados, que deveriam cumprir uma média mensal de 288 horas de plantão (equivalente a 24 plantões de 12h), embolsavam cerca de R$ 24 mil por mês, sem prestar a devida assistência à população.

A denúncia e as investigações ainda estão em andamento, e a operação Jaleco Fantasma segue apurando a extensão dos danos causados. Enquanto isso, a população amapaense, que já enfrenta dificuldades no acesso à saúde pública, aguarda por respostas e pela responsabilização dos envolvidos.

 

O QUE DIZEM OS MÉDICOS?
Em resposta a informações veiculadas recentemente, gostaríamos de esclarecer nossa participação no programa “ZERA FILA”, uma iniciativa lançada há cerca de dois anos em parceria com o Governo do Estado do Amapá (GEA) com o objetivo de reduzir a fila de pacientes no Hospital de Emergência.

Atendendo ao convite do GEA, realizamos uma média de quatro cirurgias noturnas por dia, totalizando mais de 2.500 procedimentos cirúrgicos complexos. Nosso trabalho foi contínuo e sem interrupções, salvo em casos de falta de materiais essenciais, de responsabilidade da Secretaria de Saúde (SESA). O próprio Governador do Estado celebrou o início e os resultados do programa em suas redes sociais, atestando o sucesso da iniciativa.

Gostaríamos de esclarecer alguns pontos importantes: O acordo inicial não incluía a permanência contínua no hospital, apenas a realização das cirurgias no período noturno. A secretaria do centro cirúrgico era responsável por organizar a ordem dos procedimentos, respeitando a prioridade dos casos e a disponibilidade de materiais. O pagamento dos serviços extras foi realizado sob o formato de plantões médicos, prática comum na Secretaria de Saúde.

Recentemente, o Ministério Público Estadual (MPE) iniciou uma investigação sobre esses pagamentos, à qual estamos colaborando. Salientamos que não fomos nós que definimos a forma de remuneração, mas, sim, seguimos as orientações do programa, focados exclusivamente em cumprir nossa missão de realizar as cirurgias. Lamentamos a posição do GEA e da SESA, que se manifestaram de maneira ambígua e optaram por “colaborar com as investigações” ao invés de defender publicamente nossa atuação.

Nos causa estranheza que um inquérito em segredo de justiça tenha chegado ao conhecimento público, nos expondo de maneira indevida. Reafirmamos que cumprimos rigorosamente as exigências acordadas, sem influenciar na forma de pagamento escolhida pela SESA para os serviços prestados fora do horário regular. Acreditamos que os esclarecimentos apresentados ao MPE confirmaram nossa total lisura e comprometimento.

Diante do ambiente de desconfiança instaurado, optamos por encerrar nossa participação no programa. Não podemos continuar trabalhando em um contexto que coloca em dúvida nossa integridade e dedicação.

 

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